Na Champagne, Bertrand só queria um movimento de Amelie... Conto
Bertrand vivia na grande Reims, que com seus 180 mil habitantes, domina a região de Champagne.
Nada comparado a pequena vila de Bouzy onde vivia a bela Amelie.
Amelie era uma das cerca de 1000 pessoas que vivem na vila onde existem mais vinhedos que pessoas.
Os dois se encontravam a cada 15 dias quando Amelie deixava a vila para entregar as Champagnes que produzia para um comerciante local.
Na verdade bastou o primeiro encontro para Bertrand ficar completamente nocauteado pelo olhar, pela voz, pela conversa e principalmente pela alma de Amelie.
Espera!
Amelie era além de tudo isso, uma mulher maravilhosa.
Não é verdade que quando se elogia outras qualidades é porque a beleza faltou.
Ela sobrava!!!
Bertrand não era homem de indecisão.
Logo no primeiro encontro disse o que queria dizer.
Amelie assustada, respondeu com a doçura que Bertrand passou a perceber desde o início.
O primeiro beijo também não demorou, mas tudo que veio depois dependia de muita paciência e controle de Bertrand.
Paciência e controle de viticultor.
Nenhuma uva cresce no inverno e nem pode ser colhida na primavera.
Assim pensava Bertrand.
Pensava também que nenhuma uva poderia ser mais importante que Amelie, mas cuidava de seus vinhedos de Pinot Noir como quem cuidava de um filho.
Os dois passaram a se encontrar sempre.
Se beijaram, se amaram...
Bertrand não pensava em outra coisa.
Amelie falava pouco, não falava em sentimentos, embora retribuísse em atitudes o amor oferecido por Bertrand.
Como ela sempre colhia suas uvas antes, os dois combinaram de trabalhar juntos um na colheita do outro.
Tudo correu bem na colheita de Amelie.
Perto de colher a Pinot Noir, nem a previsão da TV, nem do jornal e nem do mais antigo morador da Montagne de Reims, imaginava que o tempo poderia mudar.
Os ventos e as nuvens negras mobilizaram Bertrand.
Amelie veio rápido.
Amigos e vizinhos também.
Todos prontos para a colheita antecipada e com os olhos atentos para o céu.
Os vinhedos pareciam uma ilha sem chuva.
A água vinha fazendo curvas e nada de cair um pingo nos vinhedos de Bertrand.
Os vizinhos colhiam, Bertrand e Amelie ajudavam com um olho e acompanhavam os lotes de Pinot Noir com o outro.
Nenhuma gota nos vinhedos de Bertrand.
A colheita na data certa estava garantida pelas previsões e pelo bom senso.
Os dois passaram a noite juntos e Bertrand, como sempre, enchia os ouvidos de Amelie de juras de amor e planos.
Amelie era sempre quieta e mais fechada que os cachos de Pinot Noir que não deixam nenhuma parte verde à mostra.
No caso de Amelie, era o coração escondido como se estivesse em um cofre.
Veio a colheita e os dois trabalharam como se estivessem brincando.
Depois se amaram como se não houvesse outro dia.
Pra cada "eu te amo" de Bertrand um sorriso de Amelie.
Veio o inverno.
Passou a primavera e já quase na outra colheita Amelie continuava distribuindo sorriso, carinho, doçura, mas sem nenhuma palavra.
A essa altura Bertrand começou a desconfiar que estava numa travessia solitária.
Se fechou em casa, esqueceu das uvas e não atendia ninguém.
Amelie respeitou.
Não imaginava o motivo, mas cuidou das uvas, colheu a Pinot, fermentou, refermentou, mexeu as garrafas, engarrafou, vendeu...
Não desistia de tentar falar com Bertrand, mas se olhavam de longe, pelo vidro da janela do quarto onde ele passava dias e noites.
Ela chegou a mandar o médico da cidade falar com Bertrand.
Ele na verdade só esperava um sinal.
Ela na verdade pensou que estava insistindo demais e resolveu não voltar.
Foi quando soube que Bertrand tinha abandonado completamente as uvas, abandonado a casa e se fechado numa solidão infernal.
Num último esforço passou a tarde mexendo nas uvas e olhando para a janela do quarto.
Quando viu Bertrand magro e com a barba por fazer se aproximando lentamente.
Fixou o olhar para ele, se aproximou o máximo que pôde e com o olhar fixo mexeu os lábios: Je t'aime...
Bertrand parecia explodir.
Os olhos queriam saltar da cara, a cor da pele mudou, o cabelo arrepiou, a barba também.
Ele deu um salto.
Deu um longo abraço em Amelie e disse baixinho: não preciso do som, só precisava do movimento.
As uvas foram colhidas mais uma vez a tempo e aquela safra do abandono deram incrivelmente a melhor safra.
Foi um ano especial para a champagne de Bertrand.
O ano de Amelie foi diferente, mais exuberante, mais aberto.
E tudo indica que o som de sua voz sairia em breve.
Para a alegria de Bertrand.
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