domingo, 16 de janeiro de 2011

Só a doçura de um vinho generoso português pode apagar o gosto amargo da lembrança do maldito ditador


Abrir aquela garrafa que protegia um líquido vivo, há mais de 50, quase 60 anos era um desafio. Não sabia se o vinho estava bom ou ruim, mas sabia o que aquele vinho tinha vivido nestes quase 60 anos.
Sei que as cooperativas nasceram na época do ditador António de Oliveira Salazar que mandou no país de 1932 até 1968.
Pensei como cresceram aquelas uvas, sob as nuvens negras da ditadura portuguesa.
Pensei nas pessoas que pisaram, que escolheram, que engarrafaram e que sofreram para restaurar a democracia no país.
Lembrei do meu avô Adriano, que precisou sair para não sofrer os castigos impostos pelo maldito ditador.
Aqui o velho Adriano foi feliz e fingiu ter esquecido da pátria até o fim da vida.
O vinho é doce, macio, parece um licor.
As notas de figo seco, tâmaras e um pouco de amêndoa, mostram que o vinho são é velho, é experiente.
O lacre que fechava a garrafa foi saindo aos poucos como se pedisse para ser arrancado para deixar escapar um grito preso na garganta.
Talvez um grito de liberdade daquelas uvas que nasceram e cresceram numa ditadura que rendeu ao ditador o título de português mais ilustre da história. Sim, o Jornal O Público (se não me engano) fez a enquete e ele ganhou disparado.
Talvez Fernando Pessoa, Amália Rodrigues, Eusébio (que nasceu na África, mas é português) e até o Infante Dom Henrique e Vasco da Gama não tenham mesmo importância por lá. Se tivesse nascido nos Estados Unidos seriam nome de foguetes, de aviões, de prédios...
No Brasil também é assim!
Para mim, para Adriano e para tantos outros, Portugal deve esquecer a sombra do autoritarismo.
A garrafa aberto deixou escapar um recado: ninguém consegue estragar o vinho português.
Nem o maldito ditador...
A garrafa número 9397 do Veiga de Santa Maria Reserva Especial, foi aberta neste domingo.
Foi um brinde ao Fernando Pessoa, à Amália Rodrigues, o Eusébio, Vasco da Gama e o Infante Dom Henrique. Um brinde ao Adriano que cruzou o atlântico e nem assim teve sossego para se expressar. O pensamento livre é coisa nova, dos dias de hoje...
Citando o grande Chico Buarque: "foi bonita a festa pá, estou contente..."

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