quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Nelma mostrou a Bahia na Alsácia...





Ventava forte e as coisas iam caindo e fazendo aquele barulho característico de começo de um temporal.

Nelma, ou como eles diziam por lá Nelmá, nem se mexia.

Olhava para o computador e conversava em um tom bem acima do vento ou dos galhos e objetos que voavam.

Jérôme tinha uma admiração inabalável por Nelma.

Ela cuidava de Madame Martha há mais de 10 anos.

A Mãe de Jérôme era uma alemã cheia de vida, cheia de carinho, histórias e generosidade.

Para cuidar da mãe, Jérôme pediu referências, foi a agências de emprego e passou meses procurando. Até que depois da colheita, percebeu que aquela baiana forte (para não dizer gorda), risonha e de uma simpatia ímpar era a pessoa certa.

Fez a proposta e Nelma nem acreditou.

Passava férias pagas pelos filhos e se enfiou numa colheita.

Quando preparava a volta pra casa veio o convite:

- Fica! Te dou um bom salário, uma casa e uma familia.

Vida simples, no campo. Era um sonho para ela.

A proposta seria absurda para outra pessoa, não para a baiana Nelma.

Ela que criou 5 filhos sem marido.

Filhos que nasceram e cresceram numa favela em Salvador com os olhos fixos em um futuro melhor.

A essa altura, Nelma pode fazer o que quiser!

O último trabalho como baiana do acarajé era só um hobby.

Reconhecem cada prato de comida servido e cada centavo conseguido para compra de livros, uniformes e cursos.

O orgulho de Nelma é enorme.

A fala mansa logo encantou a família de Jérôme.

O jeito simpático, sorridente e otimista chega a ser um escândalo por aqueles lados da Alsácia.

Quando ela parou de gritar diante do computador, pegou a bolsa e saiu no meio do temporal.

Jérôme desconfiou.

O mistério atravessou o inverno, passou pela primavera e quando as uvas já estavam quase maduras Jérôme começou a entender que não eram nem filhos e nem noras que falavam com Nelma pelo Skype.

Mal falou em contratar os temporários para a colheita Nelma veio com a sugestão:

Tenho um amigo baiano, alto, forte...

Aquilo despertou ainda mais a curiosidade de Jérôme que aceitou na hora.

Os dez anos em contato com a língua portuguesa fizeram que Jérôme entendesse muita coisa, mas naquele dia quando bisbilhotava a conversa, o proveito foi zero.

- Cabeça de gelo meu rei... Monsieur Jérôme é Pedra 90!

Para não dizer que o proveito foi zero, Jérôme entendeu o nome dele, mas isso significava muito pouco.

Chegou a procurar em dicionários, mas não conseguia escrever o Pedra 90.

Chegou o dia da colheita e Luís se apresentou.

Era realmente um negro alto, forte e bem humorado.

De fala mansa como Nelma.

A noite pela fresta da janela, Jérôme via a festa dos trabalhadores da colheita com Nelma e Luís abraçados sem nenhuma cerimônia.

No dia seguinte com La Puce à l'Oreille Jérôme perguntou direto.

Como um jab de Muhamed Ali: Madame Nelma, qu'est ce que c'est Cabeça de Gelo, Pedra 90???

Nelma caiu na risada, Luís chegou a chorar de rir.

Com um francês impecável de quem aprendeu também falar o alemão além de toda a sabedoria trazida da Bahia, Nelma explicou que cabeça de gelo era cabeça fria, calma tranquila.

Pedra 90 era uma antiga expressão que tinha saído do jogo de tombola e invadido a cabeça dos jovens de 4 ou 5 décadas passadas.

Na tombola, um saco tem 90 pedras e a 90 é a mais valiosa.

Quando percebeu que tinha sido elogiado de forma tão original, Jérôme não sabia se ria ou se chorava de emoção.

Os dois deram a notícia que iriam se casar e que os filhos viriam para a festa.

Ela nem cogitou em deixar dona Martha sozinha, mas Jérôme se adiantou: Luís, você vai ser o melhor viticultor da Alsácia...

Mal os vinhos entraram nos cascos, a Alsácia virou Bahia.

No casamento de Dona Nelma, teve samba, axé e acarajé.

0 comentários:

Postar um comentário