Galiana e Edmond, Syrah e Tchekhov, e o cheiro de lavanda...
-Não é assim... Segure as uvas com cuidado, se ficar apertando os cachos perco todo o suco. A tesoura tem que cortar no lugar certo...
Galiana escutava, pensava nas dores nas costas, pensava no sossego que tinha em San Petersburgo, mas não desistia.
A fascinação que tinha pela Syrah era muito maior.
Pelo menos Edmond falava em russo e ela podia perfeitamente pensar em russo, mas engolir o que queria responder já que ele entenderia.
Edmond aprendeu a falar russo para atender melhor os clientes, para poder conversar com as mulheres que ele julgava as mais belas de toda a europa, mas principalmente para ler sem interferência de nenhum tradutor, os contos de Tchekhov.
Era uma troca de paixões. Ela pela Syrah e ele pelo Tchekhov.
Quando o trabalho terminava ele se transformava no mais gentil dos mortais.
Galiana sabia disso e aproveitava para reclamar um pouco.
-Você só reclama comigo. Tinha uma canadense que demorava horas na mesma fileira...
Edmond era alto, tinha olhos castanhos, barba cerrada, rosto de formato oval, cabelos ralos e um sorriso e uma cultura que poderiam derrubar de paixão qualquer pessoa que se aproximasse.
Galiana tinha cabelos castanhos, um metro e 65, olhos verdes, um sotaque apaixonante, pele branca de quem não se expõe ao sol.
Claro que as conversas até altas horas não poderia terminar de outra forma.
Pelo menos duas garrafas do melhor Syrah de Ermitage eram esvaziadas com calma e devoção.
No começo eram com beijos.
No final as garrafas eram deixadas de lado e o que Galiana sentia era o cheiro de lavanda dos lençóis e dos travesseiros.
Melhor se restringir ao sentimento olfativo.
No dia seguinte o mesmo ritmo de trabalho, a mesma cobrança...
Galiana sentia raiva passageira, sentia admiração, sentia saudades de San Petersburgo.
A noite se repetia como as manhãs.
Antes do trabalho sempre tinha uma frase de Tchekhov para que o dia de Galiana fosse bom.
Os dias eram quentes, as noites nem tanto.
As madrugadas sim, cada dia mais, entre Edmond e Galiana.
Ele estava visivelmente apaixonado.
Ela era sempre mais contida.
Já sobravam poucas uvas para colher, e parece que inconscientemente Edmond parava de cobrar para que o serviço fosse mais lento, que levasse mais tempo, que durasse pra sempre.
Ele sabia que Galiana iria embora assim que o último cacho de uva fosse cortado.
Inevitável.
As uvas tinham que ser colhidas e como tudo que havia lido de Tchekhov os finais nem sempre são finais.
Na última noite foram 4 garrafas, foram trechos e trechos de Tchekhov e uma explosão de amor seguida de uma crise de choro inédita na vida dos dois.
Galiana partiu pela manhã.
As promessas de criar uma ponte aérea entre os dois estava bem entendida.
Os dias que seguiram tiraram Edmond do prumo.
Galiana chorou em todo trajeto até San Petersburgo.
Os dois voltaram a se encontrar, voltaram a se despedir, diversas vezes.
Edmond ia e voltava a seu estado normal.
Galiana tinha na memória o cheiro de lavanda dos lençóis e travesseiros.
Não conseguir trabalhar.
Edmond não conseguia dormir.
Já no inverno, quando o sol aparece pouco, a vida naturalmente fica mais triste e os pensamentos ruins passam por cima dos bons, Galiana estava entre o sonho e o despertar.
Ela sentia um cheiro de lavanda que não identificava se estava no sonho, mas não imaginava que estivessem no ar do inverno cruel de San Petersburgo.
Sentiu um corpo deitando a seu lado.
O cheiro de lavanda ficava mais forte.
Agora parecia mesmo um sonho.
Edmond acordou Galiana com um beijo longo e intenso.
Trouxe os travesseiros, os vinhos e os contos de Tchekhov.
Voltou a seu estado normal.
"Aquilo que provamos quando estamos apaixonados talvez seja o nosso estado normal. O amor mostra ao homem como é que ele deveria ser sempre."
Tchekhov
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