Não tinha mais jeito.
Não adiantava passar a noite em claro, porque o granizo já tinha feito um estrago que seria sentido para os próximos 2 ou até 3 anos.
Javier não era de desanimar, mas nesse caso seria dar murro em ponta de faca.
Mandou os amigos pra casa e entrou para tomar um banho e relaxar um pouco.
Paz nem se incomodou com a saída dos outros, ficou onde estava, pegou uma garrafa, abriu e se serviu como se estivesse em casa.
Javier olhou espantado e foi pro banho como se estivesse sozinho.
Mas saiu do banho como se tivesse alguém em casa.
Colocou uma bermuda, chinelos legitimos havaianas e acompanhou Paz na meditação regada a vinho.
Meditação mesmo.
Os dois pegaram as taças e tomaram uma, duas....
Abriram outra garrafa...
Nenhuma palavra.
Quando a garrafa acabou os dois se levantaram, seguiram pro quarto como se fosse uma rotina.
Pela manhã Paz se levantou enquanto Javier dormia e foi cuidar da vida.
Javier acordou de cabeça inchada, não sabia se tinha sonhado com a perda dos vinhedos ou se era a dura realidade.
Demorou pra pensar em Paz.
Lembrou como quem lembra de um sonho distante, em pedaços.
Passou o dia nos vinhedos contando os prejuízos.
A noite Paz entrou na sala, pegou um vinho na adega e abriu como no dia anterior.
Beberam, se amaram, dormiram...
Pela manhã Javier lembrava de mais detalhes e até apalpou a cama para ver se ela ainda estava por lá.
Foi assim por algumas semanas.
Quando a colheita começou nas cidades vizinhas, onde o granizo não castigou, todos partiram para ajudar, e Javier passava o dia procurando Paz.
Ela só aparecia mesmo a noite.
Depois da colheita terminada, as festas se seguem e a qualidade das uvas se já eram comemoradas em anos normais, em anos de granizo eram muito mais.
Naquela noite Paz não apareceu.
Cada gole durava uma eternidade sem ela.
O dia também foi estranho, sem vinhedos, sem uvas, sem vinho e sem paz.
A noite ele até escolheu o vinho, a taça, mas nada de Paz.
A semana passou e ele começou a perguntar na vizinhança se alguém sabia explicar onde ela estaria.
Só no terceiro dia de verdadeiros interrogatórios é que um morador da cidade vizinha disse:
"Ela anda por aí. Com um gringo que veio para a colheita. Os dois não se largam, se conheceram não faz nem uma semana."
Javier voltou pra casa e passou o dia pensando e meditando com o melhor vinho que tinha.
A noite Paz entrou, pegou uma taça, beberam, se amaram, dormiram.
Ela foi embora pela manhã.
Javier nunca mais teve paz.
Paz só aparecia quando tinha vontade.