Michel trabalhava seis dias por semana, das 9 as 18, conhecia todas as
regiões francesas, sabia o lugar exato da prateleira onde estava cada
vinho, sabia o nome e o sobrenome dos clientes e era capaz de falar
sobre cada vinho com uma exatidão de dar inveja a Robert Parker.
George era consultor da loja, tinha uma fama que ultrapassava os limites
do hexágono (forma da França), era badalado, respeitado e bem pago.
Michel ganhava o suficiente para pagar o aluguel do apartamento de 25
metros quadrados na periferia parisiense, mas sempre dizia que o que
aprendia no dia a dia valia a pena.
Uma característica daquela loja do Quartier Latin era a quantidade de rótulos de diversas regiões do mundo.
Turistas e franceses chegavam a fazer fila para ouvir as sugestões e
explicações de Michel. George pouco ia na loja, escolhia vinhos de
outros países para entrar no catálogo, falava apenas com o dono e o mais
importante, recebia uma boa quantia todos os meses.
Michel se preocupava apenas com sua vida e seu trabalho, respeitava
George e nem passava pela sua cabeça colocar em dúvida a capacidade e o
salário do famoso consultor.
Quando tinha uma degustação, todos olhavam para George, tentavam até
copiar os gestos e movimentos. A loja tinha 8 funcionários, mas quem
trabalhava mesmo era Michel.
Até pela solicitação da freguesia.
George era um verdadeiro ídolo.
Um espelho para Michel.
Sabia degustar vinhos como ninguém.
Um dia chegaram novidades da Austrália.
Michel achava estranho a Syrah ser chamada de Shiraz, mas estava curioso
para conhecer aquele novo produtor que segundo George tinha recebido 90
pontos da Wine Spectator.
Ninguém podia mexer na garrafa até que George chegasse.
E ele sempre demorava, pois ia fazer ginástica, jogar tênis, almoçava
com bastante calma e depois chegava com o jornal em baixo do braço.
Naquele dia ele se dirigiu a Michel e disse: "Abra os vinhos australianos e traga para degustarmos. Chame todos os vendedores."
Em quinze minutos todos estavam a postos na grande mesa de degustação.
Logo no primeiro vinho George colocou no nariz, fez uma cara feia e disparou: Bouchonné!
Os outros colocaram o vinho no nariz e trocavam olhares.
Michel nem isso fez, apenas balançou a cabeça e disse em voz baixa: Il n' est pas bouchonné, monsieur!
Claro que está bouchonné, Michel, não discuta, coloque o nariz na taça e comprove.
Agora sim Michel colocou o nariz na taça, olhou fixo para o nariz
pontudo que quase tocava a barba ruiva de George e disse: Não está
bouchonné.
Os outros vendedores olhavam para Michel como quem olha para um aluno
que desrespeita o professor, mas não ousavam dizer uma palavra até que
George disse: "Digam a ele, o vinho está bouchoné ou não está?
Frederick balançou a taça, levou ao nariz e disse: Não.
George já estava irritado e dessa vez apenas ordenou: Pegue outra garrafa logo e vamos parar com essa conversa.
Michel se apressou, trouxe a garrafa e sem nenhuma cerimônia, colocou a garrafa bem visível e girou o Screw Cap.
George fingiu que não viu, provou logo os vinhos e se retirou.
Os funcionários sabiam que o fungo que ataca a cortiça não teria sofrido
nenhuma mutação que fizesse com que passasse a levar seus estragos ao
metal.
0 comentários:
Postar um comentário