Viver viajando pela Espanha com a desculpa verdadeira de que é preciso vender os vinhos que o pai produz, ajudou Victoria a conciliar o amor de Paco com o amor de Tiago.
De segunda a sexta viajava, mas procurava dormir sempre em Madrid, onde Paco lhe esperava com todo o amor que havia nessa vida.
Nos finais de semana, voltava carinhosa e cheia de dengo para os braços de Tiago, na bela Barcelona.
As duas cidades rivalizavam até nisso...
Para evitar confusão, chamava os dois de amor, amorzinho, paixão, nada pessoal.
Também tomava o cuidado de quando comia algo diferente com Paco, corria para comer a mesma coisa com Tiago.
Vai que por engano cita alguma experiência gastronomica trocada...
O celular tinha devidamente dois chip's que eram sempre devidamente escolhidos de acordo com o dia da semana.
A desculpa era que como estava em trânsito, era melhor que ela ligasse.
Tudo muito bem planejado, mas nada programado dentro da cabeça de Victoria.
O caso é que ela amava os dois.
Me faz lembrar o clássico de Truffaut: O homem que amava as mulheres.
Ela amava os dois homens com a mesma intensidade, a mesma admiração, o mesmo tesão...
Impressionante como se derretia para cada um dos dois.
Era sorridente, bonita, tinha brilho nos olhos.
Tudo andava como planejado, não fosse o tal de whatsApp...
Num sábado ensolarado, na praia de Sitges, Tiago foi pegar um cigarro na bolsa de Victoria e viu que o telefone tremia como um atacante na hora do pênalti.
Teve que olhar.
As palavras que leu eram muito difíceis de digerir e Tiago nem esperou pela volta de Victoria.
Pegou um ônibus e sumiu do mapa.
Victoria ficou desesperada e só não chamou a polícia porque percebeu que as mensagens de Paco tinham sido lidas.
Chorou compulsivamente.
Voltou pra casa, tomou um banho, pegou as roupas e foi direto pra Madrid.
Paco não entendia nada, mas tentava acalmar Victoria que parecia em estado de choque.
Ela parou de comer, parou de trabalhar, quase não falava e só procurava alguém que lhe desse notícia do amado Tiago.
Paco foi muito bom pra ela.
Pelo menos até o telefone tremer de novo e dessa vez ele ler o que o tal WhatsApp tinha a dizer.
-É muito duro viver sem teu amor Victoria, mas não suporto essa situação. Deve estar a muitos anos com o tal Paco...
Paco leu a mensagem e entrou em parafuso.
Fuçou mais e descobriu mais coisas.
Pegou o carro e sumiu sabe-se la pra onde.
Quando Victoria percebeu o que tinha acontecido pegou as roupas, o carro e voltou para Barcelona.
Se fechou no quarto e abandonou as vendas, o celular e de certo modo a vida.
Não fazia mais nada.
O pai precisou encontrar outro vendedor.
Tiago só apareceu para buscar suas coisas, mas não conseguiram se falar. Trocaram olhares duros e dóceis ao mesmo tempo.
Paco fez um escândalo danado em Madrid.
Nunca mais apareceu.
Victoria escreveu um livro contando a história, sem que ninguém soubesse que era ela mesma a personagem, e acabou ganhando uma fortuna.
Explicava como era possível amar da mesma forma dois homens.
A mulher que amava os homens, ficou sozinha.
Trabalhou, voltou a viver, voltou a comer, voltou a vender vinhos, mas nunca mais voltou a sorrir...
Quando soube da história, com tantos detalhes só consegui lembrar da frase de Chaplin: