Talvez não fosse o lugar para um conversa tão franca.
Talvez fosse sim.
Afinal o que se faz numa viagem longa de ônibus…
O argelino Raji viajava pra Portugal rever os amigos, os parentes…
Ele vivia na França há mais de 20 anos, mas viveu a infância na cidade do Porto.
Trabalhou em vinhedos, em caves de Vila Nova de Gaia, fez de tudo um pouco. Sempre com o vinho.
O personagem da história não é bem ele. Talvez seus ouvidos.
Do banco da frente do dele, vinha o som da conversa mais dramática dos seus quase 50 anos.
Um casal conversava em voz baixa, sem briga, sem ofensas, sobre uma traição.
Raji não soube o nome de ninguém, os dois se chamavam de amor.
A traição foi dela.
Ele só escutava.
Depois ele só falava e ela só escutava.
Nos tempos modernos, esse tal de whatsapp…
Ele pediu pra ela mostrar as mensagens.
Ela aceitou.
Ele tremia lendo cada frase.
As lágrimas corriam dos seus olhos, mas junto só havia o silêncio.
Depois de uma leitura longa que englobava mais de 1 mês de encontros, uma breve conversa.
Vez ela chorava, vez ele chorava.
Não era dessas conversas cheias de ódio.
Era amor.
Ele enxergava a situação como incontornável…
Ela também.
Ela dizia que pensava em continuar tudo como antes.
Mas não negava que a experiência tivesse sido boa. Que fez porque quis, sem muito arrependimento.
O choro e as lágrimas se revezavam de olhos, mas estavam presentes a cada pausa.
Algumas vezes em cada parágrafo…
Foram horas de viagem.
Horas com os ouvidos tentando pegar cada detalhe.
Um rapaz de 20 anos era o motivo da traição.
Raji não via os rostos, as vezes se inclinava para pegar uma conversa mais reservada.
As vezes um beijo, as vezes um enxugava as lágrimas do outro.
O rapaz de 20 anos não tinha nada a perder. Era isso que ele dizia pra ela.
Raji, um cara forte e duro na queda já ameaçava derramar umas lágrimas também.
Descobriu que ela vivia em Andorra e ele em Paris.
Os dois se encontraram em Paris e entraram nessa viagem de revelações.
Raji bebia um vinho e procurava se desligar do assunto, mas não era possível.
Nem curioso era, mas parece que foi jogado em uma aula de comportamento, relacionamento, traição, sofrimento…
Na discussão sobre o que cada um perde em cada situação, ele disse que teve oportunidades também, mas não entrou em tentação por ter algo a perder.
Ela entendia, balançava a cabeça.
O ônibus parou e Raji não se conteve e perseguiu mais um pouco.
Os dois andavam em passos largos.
Ela pegou um comboio ele outro.
Não se sabe se traçaram caminhos diferentes para sempre.
Os dois seguiram os caminhos sem olhar para trás.
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