Nem Freud, nem Jung aprovariam... Mas Claude aprovou. Conto
-Pode entrar Monsieur Claude.
Era a primeira vez que Claude entrava naquele consultório para colocar os pensamentos em ordem depois de anos de desencontros.
Mademoiselle Valerie era quieta e séria como deve ser uma psicóloga que segue a risca os ensinamentos de Jung.
Alta, magra, olhos azuis, pernas longas e estrategicamente escondidas por uma saia bem cortada, elegante, tentando fugir da inevitável sensualidade.
-Não tenho sorte com as mulheres.
Me apaixono sempre. A primeira foi embora com tudo que eu tinha.
Me reergui e a segunda levou uma parte do meu coração.
A terceira, Michelle, refez o pedaço que faltava.
Me deu alegria, luz, o amor que eu ainda não conhecia.
Eramos como um filme com final feliz.
Eu sonhava com uma vida inteira com ela.
Dei todo amor que eu tinha.
Minha alma combinava com a dela.
Um dia quando saí para comprar um anel de noivado, ela falou comigo ao telefone e esqueceu de desligar.
Naquele momento o mundo acabou.
O dia ensolarado parecia uma tarde chuvosa.
O chão desapareceu.
Meu peito doía de verdade.
O estômago parecia em brasa.
Voei pra casa, abri a adega, peguei um espumante, depois um vinho, depois um Porto, depois café.
Nada de sono.
Vivi os 9 meses com ela como se fossem 9 anos.
Dei minha alma pra ela.
A conversa do telefone não saía da minha mente de jeito algum:
-Claro que te amo, amor... Impossível viver sem você... Mais um pouco de paciência e ficaremos juntos pra sempre...
A conversa de Michelle com um amante foi pior que a morte para Claude.
Claude era um homem super cobiçado, mas só tinha olhos para Michelle.
1 metro e 85, corpo atlético, sorriso irresistível, simpatia capaz de atrair sorrisos de funcionários públicos em final de expediente...
Romantico.
Valerie usava um óculos perfeitamente de acordo com seu rosto fino.
Claude não olhava pra ela.
Olhava vez ou outra para uma ampulheta que contava os minutos com grãos de areia que pareciam avisar que o tempo passa, felizmente.
Era o que Claude mais queria.
-Quero que o tempo voe, não aguento mais pensar naquilo que ouvi.
Valerie fez um som inesperado.
Claude levantou a cabeça e viu os olhos da psicóloga cheios d'água.
Não é possível, pensou Claude.
Olhou mais uma vez e confirmou.
Ela chorava a cada palavra.
Distante dos ensinamentos de Jung e Freud, ela se envolveu com a história.
Percebeu o olhar de Claude e se levantou.
-Desculpa.
Não sou capaz de continuar.
A ampulheta ainda estava na metade.
Claude se levantou e tentou acalmar Valerie.
Ela envergonhada enxugou os olhos, pediu diversas vezes desculpa, devolveu o dinheiro e olhou nos olhos de Claude.
-Te indico uma amiga.
-Não, volto para a próxima seção.
As seções seguiram por quase um ano.
Valerie chorou diversas vezes. Nunca com os outros pacientes.
Claude melhorava dentro do possível, mas o tempo passava, felizmente.
Michelle se arrependeu profundamente, mas não teve coragem de tentar de novo.
No primeiro domingo de sol de uma primavera inesquecível, Valerie e Claude se encontraram por acaso.
As cores do jardin des Tuileries estavam vivas.
Claude não via mais a escuridão. O chão estava ali, o peito respirava livre, leve, suave.
A ampulheta fez o tempo passar rápido e os olhos que eram de Michelle descobriram Valerie.
-Salut, Valerie!!!
-Salut, Claude!!!
Os dois passearam pelas margens do Sena como se tivessem se visto pela primeira vez.
Valerie explicou que Feud criou o conceito de amor de transferência, quando o paciente repete com o terapeuta os amores e os problemas de relacionamento que enfrentou na vida.
Claude parou em frente a Ponte Alexandre III, olhou fundo nos olhos de Valerie e deu o beijo mais longo de sua vida.
Ela chorou de novo. Sabia mais do que devia do seu futuro marido.
Tomaram um vinho rosé bem gelado e sepultaram o passado.
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