Uma boa mentira valeu mais que mil verdades
Carmelo e Carlos se odiavam.
Eram primos que viviam do mesmo negócio: o vinho.
Desde pequenos acompanhavam a briga dos pais, que acompanharam as brigas dos
avós e assim por diante. Ninguém sabe dizer ao certo quando começou a
rivalidade.
Talvez por isso, as duas famílias produzem vinhos fantásticos na região de Toro,
na Espanha, onde a Tempranillo ganha o nome de Tinta de Toro.
Ninguém quer ficar pra trás!
Um compra barricas novas o outro corre e faz a mesma coisa. Um reforma a bodega
o outro imita e assim vai.
Os fornecedores estão cansados de saber e usam isso da melhor forma possível.
-Teu primo comprou destas garrafas mais caras, e você?
Quem também gostava muito dessa rivalidade era o padre Palacios. Sempre que um
dos primos fazia uma doação o outro chegava em questão de minutos e perguntava:
Quanto ele doou?
As más línguas diziam que padre Palacios fazia leilão, mas não se sabe ao
certo.
O que se sabe é que segredo de confissão é inviolável.
Um dia Carmelo entrou no confessionário e disse: Estou profundamente enciumado.
Meu primo produziu um vinho incrível, recebeu as melhores notas em todas as
revistas internacionais. Preciso tomar uma atitude.
-A melhor atitude é fazer as pazes com ele, acabar com essa briga que nem se
sabe mais o motivo.
-Não padre. Decidi acabar com aqueles vinhedos. Passar um trator em cima. Acabar
com tudo.
-Nem pense nisso. Será um pecado terrível. Tens ainda coragem de me contar.
Reze meu filho, o máximo que puder.
Nem bem Carlos saiu da igreja Carmelo entrou sorridente, beijou as mãos de
Padre Palacios e ajoelhou diante da imagem de Nossa Senhora.
-Padre!
-Diga Carmelo.
-Vim para agradecer. Foi um ano incrível. Deu tudo certo. Quero fazer uma
doação.
-Você merece, meu filho.
- Então diga, quanto Carlos doou?
-Estou preocupado com Carlos. Não veio para doar. Está muito doente.
-Doente?
-Sim. Muito doente.
Carmelo deixou a igreja muito preocupado: Como vou viver sem ele. Com quem vou
medir forças, com quem vou comparar meus vinhos...
Quando contou em casa a família ficou em polvorosa. Ninguém concordava com a
briga ridícula e começaram a crucificar Carmelo.
No domingo seguinte as famílias se encontraram na missa. Olhares de dó,
piedade, arrependimento. Do outro lado alguns sorrisos e leves cumprimentos com
a cabeça. Na casa de Carlos era a mesma história, os familiares se falavam às
escondidas e criticavam a atitude dos primos.
Antes de comunhão, depois de um sermão enorme sobre a mentira sadia e a mentira
destruidora, padre Palacios chamou Carlos e deu uma bênção especial. Todos
rezaram em voz alta e na família de Carmelo todos olhavam com certa emoção.
Padre Palacios deu uma pausa, pediu que os coroinhas tocassem os sinos e chamou
também Carmelo. Sob olhar do padre os dois se cumprimentaram com a cabeça.
Palacios pediu que os fieis se saudassem. E ali diante de toda a comunidade
Carmelo abriu os braços. Carlos titubeou por alguns segundos. O padre apenas
balançou a cabeça e pronto. A igreja não se conteve e aplaudiu o abraço como se
fosse o ato final de uma peça que durava gerações. O padre abraçou os dois e
disse: melhorou da gripe Carlos?
Que gripe Padre?
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