domingo, 2 de fevereiro de 2014

A Jornalista Débora Portela visitou a Estrelas do Brasil, na Serra Gaúcha.





Eu não fui a Estrelas do Brasil por acaso. Seus vinhos não estão nas prateleiras de nenhum supermercado, a marca não é conhecida, eles não investem em publicidade, e encontrar sua sede sem GPS não é tarefa fácil. Não fossem as placas indicando o caminho para a Dal Pizzol, eu jamais teria chegado. 

Estive na Serra Gaúcha agora em janeiro para conhecer pequenos produtores e seus vinhos exclusivos. Minha fonte de informação foi a internet, mais especificamente os blogs que falam sobre vinho. Vinícolas que não são potenciais anunciantes parece não interessar à mídia especializada. 








Determinante na decisão de conhecer a Estrelas foi o relato de Rui Falcão, um jornalista português, craque em vinho e dono de um texto que me mata de inveja. Disse ele: "... uma pequeníssima vinícola que junta um enólogo brasileiro com um uruguaio e que produz alguns dos vinhos espumantes mais loucos do mundo. Numa primeira aproximação poderá até criar um sentimento de rejeição pela excentricidade e pela profusão de desequilíbrios, mas poucos minutos depois o entusiasmo vai crescendo e a soma de desequilíbrios acaba por se transformar em harmonia e sofisticação". 






Como não se empolgar? Mas a melhor descrição da experiência que tive, li no blog do Didu Russo: "Engarrafando a Paisagem", frase atribuída por ele ao jornalista Luiz Horta, outro grande regente de palavras. Nenhuma foto ou depoimento, entretanto, pode traduzir a sensação de beber uma taça de espumante à beira do inspirador Vale Aurora. E é óbvio que minha avaliação sobre os vinhos que provei está impregnada de tudo o que os cercam e que pude observar. Há uma história por trás das garrafas, existem ideais e valores que não consigo dissociar do produto final. Eu gosto da ideia de que o vinho é algo além do líquido. 






Irineo Dall'Agnol respondeu ao email que escrevi somente dez dias depois, disposto a me receber no final daquela tarde de segunda-feira. Já tinha perdido as esperanças. Ele, formado em Ciências Agrárias, supervisiona desde 1989 o laboratório de Inovação Enológica da Embrapa Uva e Vinho. Em 2005 se uniu ao amigo uruguaio Alejandro Cardozo, consultor de diversas vinícolas e enólogo responsável da Piagentini, para fazer os vinhos com o qual sonha beber e experimentar técnicas inovadoras de produção.


Irineo é brasileiro, mas é óbvia sua ascendência italiana. Fala alto, muito, rápido, e com as mãos. Mais do que apaixonado pela profissão, ele parece bastante grato pela chance de trabalhar com vinhos e de viver no alto daquela colina onde fixou as bases de Estrelas do Brasil. Numa de suas frases em fast deixou escapar que aquele lugar deveria ser tombado pelo poder público.
Mas ele tem um plano. Não apenas para sua propriedade e sua marca, mas para toda a região. "Só o turismo pode salvar os pequenos produtores de vinho", profetiza ele, que já arregaçou as mangas. 








Ergueu uma casa de pedra ao estilo do Vêneto onde vai funcionar um restaurante e espaço para eventos. Também está em construção uma adega subterrânea. 







Uma pousadinha integra o projeto. Tudo, segundo ele, sem descaracterizar a paisagem e respeitando o meio ambiente. 

Enquanto seu pequeno pólo turístico vai sendo erguido, ele continua recebendo em sua casa os enófilos atraídos pela fama que Estrelas do Brasil tem no "submundo" do vinho. 

Começamos os trabalhos com o Riesling Itálico Brut 2013. Espumante clarinho, super leve, fresco, com notas de pêssego e cítricas, fermentado apenas uma vez, como o espumante moscatel. O processo é interrompido aos 8 gramas de açúcar residual, o que o coloca na categoria dos Brut. Acho que quando falam de um vinho para beber despretensiosamente, conversando com amigos, ou mesmo num churrasco, penso que seria esse. Substituto chique para a pilsen de milho, mas com moderação, porque o danado tem 12% de álcool. "É para o brasileiro iniciante em espumante", sugere Irineo. E por 25 reais!

A coisa ficou mais séria na sequência, quando nos foi servido um espumante  Nature Rosé Champagnoise 2007. Enquanto meu nariz pescava uma pitanguinha, o enólogo falava em "bosque úmido e névoa de catarata". Legal! Ainda não sei entender nem me expressar sobre certos conceitos abstratos, mas definiria este espumante como denso, cremoso, gordo, persistente, e ainda assim elegante e delicado, com um leve amargor final. Os taninos que percebi creditaria às cascas da Pinot. O Irineo disse que eles foram presentes da barrica na qual o vinho base descansou antes de virar borbulha. Contei no relógio, a perlage fininha demorou uns 10 minutos para deixar de vez a taça.
Quer fazer o seu? Anote a receita: misture Pinot Noir, Riesling Itálico, Viognier e Chardonnay, sendo que a rainha das uvas brancas deve repousar em carvalho por um aninho. Depois, deixe o espumante maturando por 60 meses sobre as leveduras, dentro da garrafa. Custa 80 reais. 









Por fim, o espumante que mais me surpreendeu. Um blend das mesmas uvas do Nature Rosé, mas este um Brut Champagnoise do ano 2007, com 24 meses de maturação. Cor de pilsen checa, douradíssima, além de aromas e boca que me lembraram os de um vinho fortificado. Na mesma taça, notas de nozes e mel. Muito interessante! O enólogo garantiu que depois de disperso todo o gás, o espumante vira um "baita vinho" tranquilo. Um "dois em um" que vale 60 reais.
Voltando ao Rui Falcão, em seu texto ele diz que Irineo "é um produtor quase de garagem e que se orgulha de produzir vinhos alternativos e profundamente excêntricos". E eu me pergunto: se a grande vocação do Brasil é para os espumantes, por que a maioria dos produtores se contenta em fazer mais do mesmo, em perseguir fórmulas prontas e consagradas? Por que não buscam imprimir em seus vinhos um sotaque brasileiro, para que, talvez, no futuro, nosso espumante seja reconhecido como uma marca, uma referência, assim como Champagne, Cava ou Franciacorta?







Mas aí imagino que muitas famílias da Serra Gaúcha dependam do vinho para sobreviver. Não podem ser dar ao luxo de desprezar uma safra órfã do clima ideal. E esse vinho tem de agradar a maioria dos paladares. E aí, faz-se o que precisa ser feito.


Eu acho que o grande trunfo do Irineo é justamente a liberdade de não viver do vinho que faz, fato que lhe dá coragem para correr riscos na busca do vinho em que acredita. 

Sorte nossa!    







Débora Portela é jornalista, com passagens por Jornal
Lance!, Rádio Jovem Pan, TV Bandeirantes, Rede TV, TV Cultura e Rádio
Internacional da China. É apaixonada por vinhos e por isso, recentemente, concluiu o
curso de Sommelier pelo Senac-SP.

Um comentário:

  1. silvania pereira - editora band16 de junho de 2015 às 21:58

    Q bom te encontrar amiga querida!
    Paarabens pela materia.
    saudades

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