quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Gaël Via Tudo, Anotava Tudo! - Conto










Gaël era muito observador. 


Seu pai era o melhor boulanger de Lyon, nem é preciso dizer que de tanto observar Gaël fazia pães como ninguém.

A faculdade de enologia foi bastante útil, mas nada comparável ao convívio ao lado de Michel nos vinhedos de Chateuneuf-du-pape. Com o tempo e os muitos afazeres de Michel, Gaël assumiu os trabalhos e o nível dos vinhos continuou lá em cima, tanto na crítica como nas vendas.

-Tudo observação, dizia ele.

Desde pequeno o maior hobby de Gaël era escutar conversas, observar os vizinhos, ver as pessoas trabalhando e saber como eram feitas as coisas.

Anotava tudo num caderninho, que virou uma verdadeira biblioteca de anotações. 


Só não era chamado de louco por ser reconhecido, admirado e em pouco tempo considerado um dos melhores enólogos da região.

Casou-se com Raphaelle, uma parisiense formada em filosofia que passava mais tempo na Sorbonne que em qualquer outro lugar. 


Nos finais de semana Gaël costumava ir para Paris, ficava com a esposa e tentava aproveitar o pouco que restou de seu casamento. Na ausência de Raphaelle (coisa bastante comum) Gaël corria para o aeroporto de Orly. 


Não era para voltar para Lyon e nem para ver aviões. Gaël gostava mesmo de ver as pessoas.

Com caderninho em punho, caneta e olhos bem abertos, Gaël focou num casal que se despedia. 


Chegou mais perto. 


Sentou a uma distância suficiente para ouvir as juras de amor. 


A caneta dançava mais que mestre sala na sapucaí!

Ela voltava pra casa depois de passar quase um mês com o namorado.

Ele francês, ela canadense.

O jeito de falar de Quebec atrapalhava as anotações, mas a emoção no rosto dos dois dispensava palavras.

Os olhos vermelhos do rapaz e as palavras doces da garota traduziam tudo.

É amor, pensou Gaël!

O sistema de som do aeroporto falou em última chamada e o olhar dos dois passou a ser de desespero.

Ela se afastou de uma forma como quem quer acabar com o sofrimento, mas ele não deixava. 


Puxou-a pelo braço.

Um abraço forte de desespero e tristeza durou segundos. 


Os dois se olharam. 


Calados.

Ela se afastou.

Enquanto ela seguia para o embarque o rapaz se agachou, colocou as mãos na cabeça. 


Chorava.

Ela desapareceu.

Gaël fechou o caderninho e enxugou as lágrimas. 


No dia seguinte foi ele que embarcou para Lyon pelo TGV. 


A despedida de Raphaelle era fria, em casa, sem emoção.


Talvez já haviam se despedido fazia tempo, não havia mais motivo para novas despedidas. 






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