Gaël era muito observador.
Seu pai era o melhor boulanger de Lyon, nem é preciso dizer que de tanto observar Gaël fazia pães como ninguém.
A faculdade de enologia foi bastante útil, mas nada comparável ao convívio ao lado de Michel nos vinhedos de Chateuneuf-du-pape. Com o tempo e os muitos afazeres de Michel, Gaël assumiu os trabalhos e o nível dos vinhos continuou lá em cima, tanto na crítica como nas vendas.
-Tudo observação, dizia ele.
Desde pequeno o maior hobby de Gaël era escutar conversas, observar os vizinhos, ver as pessoas trabalhando e saber como eram feitas as coisas.
Anotava tudo num caderninho, que virou uma verdadeira biblioteca de anotações.
Só não era chamado de louco por ser reconhecido, admirado e em pouco tempo considerado um dos melhores enólogos da região.
Casou-se com Raphaelle, uma parisiense formada em filosofia que passava mais tempo na Sorbonne que em qualquer outro lugar.
Nos finais de semana Gaël costumava ir para Paris, ficava com a esposa e tentava aproveitar o pouco que restou de seu casamento. Na ausência de Raphaelle (coisa bastante comum) Gaël corria para o aeroporto de Orly.
Não era para voltar para Lyon e nem para ver aviões. Gaël gostava mesmo de ver as pessoas.
Com caderninho em punho, caneta e olhos bem abertos, Gaël focou num casal que se despedia.
Chegou mais perto.
Sentou a uma distância suficiente para ouvir as juras de amor.
A caneta dançava mais que mestre sala na sapucaí!
Ela voltava pra casa depois de passar quase um mês com o namorado.
Ele francês, ela canadense.
O jeito de falar de Quebec atrapalhava as anotações, mas a emoção no rosto dos dois dispensava palavras.
Os olhos vermelhos do rapaz e as palavras doces da garota traduziam tudo.
É amor, pensou Gaël!
O sistema de som do aeroporto falou em última chamada e o olhar dos dois passou a ser de desespero.
Ela se afastou de uma forma como quem quer acabar com o sofrimento, mas ele não deixava.
Puxou-a pelo braço.
Um abraço forte de desespero e tristeza durou segundos.
Os dois se olharam.
Calados.
Ela se afastou.
Enquanto ela seguia para o embarque o rapaz se agachou, colocou as mãos na cabeça.
Chorava.
Ela desapareceu.
Gaël fechou o caderninho e enxugou as lágrimas.
No dia seguinte foi ele que embarcou para Lyon pelo TGV.
A despedida de Raphaelle era fria, em casa, sem emoção.
Talvez já haviam se despedido fazia tempo, não havia mais motivo para novas despedidas.
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