domingo, 5 de janeiro de 2014

Lorenzo e Giuseppe tiveram que ser Carlo e Guido - Conto





Carlo vivia para cuidar dos vinhedos.

Dos 70 anos de vida, pelo menos 69 foram vividos andando para todos os lados daqueles 2,5 hectares bem no meio da DOCG Barolo.

Dos 3 filhos, Guido era o mais interessado.

Giuseppe trabalhava para uma rede de hotéis em Milão e Lorenzo foi viver na Inglaterra e acabou dono de um restaurante.

Guido vivia ao lado do pai.

Os dois faziam tudo para manter os vinhedos impecáveis e os vinhos entre os melhores da Itália.

Giuseppe e Lorenzo sempre apareciam para uma visita, mas os vinhedos não importavam, nem bem olhavam para ver se ainda existiam.

Guido prestava atenção em cada palavra, cada gesto, cada ensinamento passado pelo pai.

E não eram poucos os ensinamentos.

Os vinhos eram constantemente considerados entre os melhores da Itália, e tudo isso graças ao esforço e ao cuidado de Carlo.

Lorenzo vendia os vinhos na Inglaterra e, mesmo sem dar o valor necessário, sempre escutava orgulhoso os elogios da clientela.

Era o vinho que não podia faltar na carta.

Giuseppe tentava se equilibrar com a crise europeia e já pensava seriamente em ajudar no negócio da família.

Carlo e Guido seguiam firme, elogios, pontuações em revistas internacionais e nenhum espaço para novos clientes. Toda produção era reservada e vendida.

Tudo era perfeito, até que, justamente, quem mais conhecia aqueles vinhedos, quem conhecia cada palmo daquela terra, escorregou.

Literalmente.

Carlo pisou em falso e rolou entre os vinhedos pelo menos por 15 metros.

Suficiente para fraturar costelas, braço e a perna esquerda.

A perna precisou de mais cuidados, operação, pinos, muletas e nada de trabalho por tempo indeterminado.

Guido entrou em pânico.

Embora soubesse quase tudo que Carlo sabia, entrava e saia de casa sempre perguntando antes de tomar qualquer atitude.

A crise europeia apertou ainda mais e Giuseppe foi o primeiro a voltar pra casa.

3 meses depois veio Lorenzo.

Nos vinhedos, os dois mais atrapalhavam que ajudavam.

Aí veio o inesperado, inexplicável, improvável...

Guido caiu de cama, começando com uma gripe, passando para uma pneumonia, às vésperas da colheita.

Na hora, Carlo gritou: Como podemos passar por uma colheita e vinificação com esses dois idiotas...!

Lorenzo e Giuseppe nem ficaram ofendidos, sabiam que não entendiam nada daquele negócio.

Mas nada acontece por acaso.

Era a colheita de 2008.

Colheita única, fantástica, uma obra de arte da natureza.

Bem, mas o homem faz parte do terroir!

Um belo sofá bem no alto dos vinhedos e lá estavam, Carlo e Guido.

Lorenzo e Giuseppe subiam e desciam obedecendo às ordens.

Dos vinhedos para a cantina e numa cadeira de rodas, Carlo olhava tudo.

Guido continuava observando a colheita.

Quando o trabalho terminou Giuseppe e Lorenzo estavam acabados.

Nunca tinham trabalhado tanto na vida.

À noite, enquanto os trabalhadores da colheita festejavam, os dois se sentaram ao lado do pai, conversaram quase por toda a noite.

Perguntaram coisas que nunca haviam perguntado.

Ouviram lições que nenhuma universidade daria.

Guido apenas observava.

Sabia cada resposta.

O tempo da transformação passou.

As uvas perfeitas de 2008 já tinham virado vinho.

Carlo e Guido convidaram Lorenzo e Giuseppe para a prova.

Degustaram como se tivessem vendo o rosto de um filho recém nascido.

Carlo agradeceu os dois e ainda lembrou do desabafo quando viu Guido doente em plena colheita.

Pediu desculpas por tê-los chamado de idiotas.

Falou do orgulho que tinha dos 3 filhos.

Lorenzo e Giuseppe falaram do tempo que perderam fora de casa.

Guido apenas escutava.

Degustava o vinho com a certeza de que tinha nascido exatamente onde queria.

A prova virou uma reunião de família.

Com direito a pão, salame, vinho, e claro, muito choro e emoção...

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