domingo, 10 de março de 2013

Marcelo leu Guy de Maupassant, mas esqueceu de ler os sinais de Donatella





Chovia demais.


Parecia São Paulo naqueles finais de tarde de verão.


Marcelo saiu correndo dos vinhedos e se protegeu em baixo na cabine do trator que preparava a terra para uma nova plantação num terreno recém comprado.


A cabeça ainda doía por causa de Donatella.


Ela tinha ido embora fazia 6 meses mas a dor era a mesma.


Acordava pensando nela, passava o dia pensando nela, dormia pensando nela, e os sonhos... 


Pensando nela.


Donatella era o que ele esperava, literalmente.


Esperava como companheira, esperava que voltasse, esperava que ligasse...


Viveram 2 anos cuidando daqueles vinhedos, cuidando da vida e do próprio prazer.


Num dia de outono, quando as folhas dos vinhedos já deixavam o dourado e viravam vermelhas, ela foi embora.


O inverno, branco e frio, típico do Piemonte ficou insuportável para Marcelo.


Veio a primavera, o trabalho ocupava o tempo, mas a cabeça de Marcelo estava longe.

Estava em Donatella, que do outro lado da Italia, também não sabia exatamente o que queria.


Ele passava mal. 


Todos percebiam que aquela separação estava mal resolvida.

Tentavam falar com ele mas era inútil.


O ciclo dos vinhedos incomodava ainda mais.


Ele via os brotos, via o aparecimento dos cachos e nada mudava em relação a Donatella.


Falaram algumas vezes por telefone.


Quando não brigavam, falavam de amor, de voltar, de viver...


Nunca os dois deixaram de declarar o amor entre eles, ela apenas dizia que não aceitava algumas coisas.


Marcelo suportava o insuportável.


Ficava ligado em Donatella esperando a hora do reencontro.


Num belo dia o encontro estava marcado, as coisas pareciam voltar ao normal, até que Donatella mudou de ideia.


-Tem que ser do meu jeito...

A conversa seguiu até que a frase cortante, mortal, final, veio: "Acho que na verdade nunca te amei... A melhor coisa que viz foi me separar de voce..."


Aquilo cortou Marcelo ao meio, destruiu o cara por dentro.

Todos os sonhos e possibilidades acabaram ali..


Como cultivar esse sentimento agora?


Marcelo não sabia o que fazer.


Tomou umas pastilhas e dormiu.


Acordou, tomou mais pastilhas e dormiu de novo.


Acordou e fez a mesma coisa por uma semana.


Nos três primeiros dias Enzo foi falar com ele.


Conversaram por horas.


Enzo tentou tirar aquela ideia do sono da cabeça de Marcelo.


Em vão.


Marcelo fez uma verdadeira sonoterapia por conta própria.

Quando acordou, Enzo estava la para ouvir Marcelo.

Foi quando correu para os vinhedos, viu que estava tudo em ordem antes de fugir da chuva torrencial.

A cabeça doía pelo excesso de sono e a falta de movimento do corpo por uma semana.

-O que conseguiu com isso, Marcelo?

-Consegui sonhar, Enzo.

-Valeu a pena?

-Um dia, lendo Guy de Maupassant, deparei com essa frase: "Gosto de sonhar. Só o sonho é bom. A realidade implacável, me levaria ao suicídio..."

Diante da resposta de Marcelo, Enzo se levantou, apertou a mão dele e apenas disse: Fez o que achou certo. Agora acorde, a chuva judiou dos vinhedos, Donatella judiou de você é hora de sonhar acordado. É hora de pensar na nova plantação...



Guy de Maupassant foi um poeta e escritor francês:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Guy_de_Maupassant

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