Quando Francis M´Bongo deixou a Costa do Marfim para trabalhar em Paris, ainda
não havia provado sequer uma taça de vinho.
A loja no Boulevard de la Madeleine era luxuosa, M´Bongo só tinha o direito de
entrar quando alguma garrafa ou taça se quebrava e sua vassoura mágica era
rapidamente solicitada. Quando a loja fechava sim, o mutirão da limpeza entrava
com tudo e as garrafas pela metade eram deixadas de lado, pronta para ir pro
lixo. Claro que Pierre não deixaria que isso acontecesse.
O filho de marroquinos, nascido em Paris, conhecia vinhos.
Quando passou dois anos no Marrocos trabalhou como sommelier em um hotel 5
estrelas. Girava a taça, falava em aromas, sabores, enquanto os outros riam.
M´Bongo não. Ficava admirado!
Com o tempo, enquanto os outros riam, Pierre ensinava os prazeres do vinho para
o amigo africano. Com a chegada do verão, Pierre fez como de costume: pediu sua
demissão.
Todos os anos, nessa época, partia para o trabalho nas colheitas pela França
afora.
Primeiro Champagne, depois Bourgogne, Rhône, o que desse tempo.
Quanto mais colheitas melhor! Dizia.
M´Bongo gostou da ideia e perguntou se cabia mais um.
Claro, respondeu Pierre.
Com mochila nas costas e vontade de sobra, lá foram eles.
Conseguiram trabalhar em 4 colheitas, se divertiram um bocado.
M´Bongo era forte, brincalhão. Por isso era convidado a voltar por cada
produtor onde trabalhava.
Um deles, no Languedoc, ofereceu trabalho fixo para os dois, mas voltar era
preciso.
A mesma loja no Boulevard de la Madeleine recebeu a dupla de braços abertos. A
essa altura M´Bongo é que ensinava os outros funcionários da retaguarda.
Num belo dia, um senhor muito bem vestido apareceu vendendo garrafas bem abaixo
do preço habitual e monsieur Patrick estava pronto a fechar negócio.
Pierre chamou o patrão de lado e disse:"os preços estão muito baixos
monsieur, é arriscado!"
Por sorte Patrick era um patrão liberal. Aceitava sugestões e opiniões. Olhou
para o vendedor e disparou:"Podemos provar o vinho?"
-Monsieur, se trata de um Mouton Rotschild, não é praxe abrirmos essas
garrafas. São conhecidas e valorizadas.
-Por isso mesmo, são mais valorizadas pelos outros do que pelo senhor. Os
preços são bons demais, se eu não comprar, pelo menos pago a garrafa.
-Quem é o seu sommelier?
-O sommelier ainda não chegou. Vou provar com meus dois funcionários que aqui
estão.
O vendedor olhou para Pierre, um rapaz novo, com barba por fazer, calças jeans
surradas e mãos sujas de trabalho. Olhou para M´Bongo com incrustrações de ouro
nos dentes, corte de cabelo desenhado a moda africana e jeito de jogador de
basquete americano.
-Está bem monsieur, vamos lá.
M´Bongo cheirou a taça imóvel, mexeu, sentiu o aroma e nem colocou na boca.
Apenas balançou a cabeça negativamente. Pierre colocou na boca e bebeu o vinho
e Monsieur Patrick nem se deu ao trabalho.
-Então, o que acharam? Perguntou Monsieur Patrick.
-Falso!
-Falso!
O vendedor arregalou os olhos e foi embora com pressa. Quase correndo.
Patrick percebeu que os dois tinham razão.
-A partir de hoje trabalham no setor de compras. Salário melhor, trabalho
melhor e mais leve.
-Só uma coisa monsieur!
-Digam!
-Em época de colheita não trabalhamos!!!
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