domingo, 14 de agosto de 2011

Julie resistiu ao Château d'Yquem, Julien resistiu ao tempo.





Não fosse um pensamento de 20 anos a vida de Julien seria uma maravilha.
Trabalhava como crítico de vinhos e gastronomia no principal jornal da França, ganhava muito bem, fazia sucesso com as mulheres, tinha tudo que queria e alguma sobra, mas...
Aos 50 anos uma lembrança torturava os pensamentos, criava sonhos, hipóteses, até um pouco de sofrimento.
Aos 30 anos, conheceu Julie.
Era novato no jornal, foca na linguagem jornalística.
Ela trabalhava na editoria internacional, mas conhecia vinhos como poucos.
Julie era nascida e criada nos vinhedos de sua família em Bordeaux e só não cuidava dos vinhedos porque nasceu mesmo para escrever.
O trabalho de um foca é duro, mas para um crítico enogastronômico nem tanto.
Os dois não se desgrudavam.
Almoçavam juntos, escreviam em máquinas Olivetti uma de frente pra outra, falavam pelos cotovelos, gostavam de música, rugby e claro: vinho e gastronomia.
Isso durou pouco mais de seis meses.
Julie partiria para o Canada.
Seria correspondente internacional no Quebec.
Julien tinha em mente um ataque mortal, uma investida sem saída para Julie.
Julie pensava diferente, pensava que se não havia acontecido antes agora, às vésperas da partida nada poderia acontecer.
Para a despedida, nada melhor que um bom vinho, boa comida e tudo que um restaurante 2 estrelas no Guia Michelin (3 seria demais para um foca) pode oferecer. 
O jantar foi todo planejado.
Restaurante certo, vinho correto e velas.
Claro, luz de velas!
Nenhum cliché escapou do controle de Julien.
A moda na época era o vol-au-vent, então: deux, s'il vous plaît!
O branco da Borgonha combinou perfeitamente, Julie estava com o rosto rosado, então Julien atacou mais uma vez: joues de boeuf cuisinées au vin, s'il vous plaît!
Continuou na Borgonha que para ele não havia nada mais elegante, feminino e até sensual.
Julie ficou com as bochechas roxas com o tinto de Gevrey-Chambertin.
As bochechas de boi estavam excelentes e o vinho impecável.
Hora do penúltimo ataque: Profiterole au chocolat s'il vous plaît!
Hoje em dia ele pediria outra sobremesa, mas enfim, a moda também dita a haut cuisine.
O ataque final foi um Château d'Yquem.
Uma extravagância e tanto para um foca.
Mas por Julie valeria a pena.
Com as bochechas roxas e sorriso fácil os dois partiram pela Avenue Montaigne e Julien disse tudo que precisava dizer depois de 7 meses de paixão.
Paixão sem beijo, sem fim.
Julie explicou que estava de partida e não queria que nada a fizesse fraquejar.
Contou que esperava por esse momento desde o primeiro encontro, mas era tarde demais.
Julien tentou a última cartada com um beijo cinematográfico já na esquina com a Avenue George V.
Beijo que deixou Julie sem fôlego, sem rumo, sem ar.
Um au revoir sussurrado foi o último som que sobrevive por 20 anos nos ouvidos de Julien.
Os olhos azuis arregalados de Julie eram lembrança traumática para Julien 
Casou, teve dois filhos, separou, casou de novo e nada do pensamento ir embora.
Julie sumiu do mapa.
Saiu do jornal e ninguém do fechado mundo jornalístico francês tinha noticias dela.
Na mesma Avenue Montaigne, perto do Plaza Athenée, Julien encontrou uma pista que mudou sua vida para sempre.
O Guide Hachette deu 3 estrelas para um vinho de Bordeaux.
Elogiou a produtora do vinho contando que havia largado o jornalismo para seguir a tradição familiar.
As 5 horas de trem pareceram semanas.
Mas valeram a pena!

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