segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

No alto Douro, Fernando mostrou que um corpo sem cabeça não serve pra nada





O dia estava escuro demais para uma primavera.

O sol nem tinha dado as caras e já era quase hora de anoitecer.

Os vinhedos ficaram com aquela cor verde escura de quando o sol não brilha.

As uvas já apareciam nos cachos, mas nem dava pra imaginar se chegariam até a maturação total sem nenhuma situação climática desastrosa.

Fernando já ia pra casa vestir o terno para a festa dos 50 anos do Seo João.

João era o cara mais importante daquelas bandas do alto Douro e não fosse por isso, todo mundo se atreveria com a bela Juliana.

Juliana não tinha nenhum defeito.

A beleza era daquelas irretocáveis, incomparáveis e unanime.

Os olhos azuis, o corpo magro, nem alta nem baixa, simpática, falante, sonhadora...

Eu mesmo falaria horas sobre Juliana.

O olhar era capaz de hipnotizar qualquer mortal. E os imortais também.

A noite foi de vinhos boa comida, boa música e muita conversa.

Já era madrugada quando Juliana se aproximou de Fernando e começou a conversar sobre os vinhedos bem cuidados e do belo trabalho que ele tem feito na região.

Fernando estudou na Califórnia e muito do que se faz na vizinhança, foi imitando o trabalho dele, seguindo os conselhos que ele jamais se nega a dar.

Antônio bem que tentava entrar na conversa, mas Juliana mal olhava para ele.

Era difícil alguem não olhar para o Antônio.

Ele era o cara mais cobiçado do Alto Douro.

Alto, sempre bronzeado, corpo atlético, olhos verdes que davam uma pista da sua descendência alemã por parte de mãe, mas...

Antônio tinha pouco assunto, se metia nas conversas mas não entendia profundamente (e nem superficialmente) de nada.

namorava muito por ser bonito, ter bastante dinheiro e um pouco de educação, mas cultura...

Fernando falava de todos os assuntos possíveis e Juliana olhava encantada para o senhor careca, com uma barriga saliente, bochechas vermelhas e muita, mas muita cultura.

A madrugada foi avançando e Antônio se sentou a espera do final da conversa de Juliana e Fernando, mas ela seguia firme.

Falavam de literatura, cinema francês, americano, iraniano, argentino, espanhol... História da arte, futebol, música, teatro...

Antônio adormeceu até que Seo João cutucou o amigo e disse: Vai rapaz. A festa acabou.

Fernando ia aproveitando o embalo quando Juliana pediu: Podes ir comigo até o Porto? Tenho coisas a resolver por lá pela manhã e prefiro chegar antes do que me atrasar. O motorista já está pronto para nos levar. Assim continuamos a conversa.

Só ai Fernando percebeu que a filha do João podia estar interessada nele, mas isso passava pela cabeça e saia logo, pela noção de realidade que ele tinha.

A viagem até o Porto passou num instante. Deu tempo de subir e dormir umas duas horas no Hotel Meliá.

Sim, dormiram mesmo. Aquela noção de realidade só acabaria mais tarde.

Juliana voltou da reunião, bateu na porta do quarto de Fernando, entrou, abriu uma garrafa de vinho do Porto e a conversa continuou.

Almoçaram lá mesmo.

Depois do almoço Juliana levantou, foi para o quarto e chamou Fernando.

A noção de realidade nessa hora mostrou que o improvável acontece.

Aos 27 anos, a bela Juliana resolveu que Fernando viveria o que restava dos seus 43 anos ao lado dela.

Os homens do Alto Douro não entendiam porque, as mulheres invejavam Juliana, tinham certeza que a escolha não poderia ter sido melhor.

com a noção de realidade sempre em dia, Fernando sempre dizia: Um corpo sem cabeça não serve pra nada...

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